segunda-feira, 17 de maio de 2010
No parquinho
Ela estava na dela. Mesmo. Voando alto em cima de um balanço. Pra frente e pra trás. Repetidamente. Sentia de olhos fechados o vento bater em seu rosto, esticando seus cabelos, negros, cheios e soltos pra trás. Sua natural palidez em nada roubava-lhe saúde ou vivacidade. Estava muito distante do chão, mas com total consciência. Suas pequenas mãos suadas seguravam com força a corrente do balanço, outrora gelada e seca pela ferrugem, mas no dado momento, já úmida e quente. De olhos fechados ela almejava um quase impossível giro de 360º. Abriu os olhos. Enormes, negros, expressivos. Muitos cílios. A garota era dona de duas jabuticabas falantes. Se distraiu de seus próprios desafios, e lá de cima percebeu uma nova, difícil e deliciosa missão: ELE. Eles fitaram os olhares por quase um minuto, o que a fez perceber total engano da própria cena. ELA era o desafio DELE. Já fazia tempo. Achou ele lindo, um clichê com charme. E principalmente por isso, desinteressou-se de imediato. "Não é para mim", pensou. Uns diriam que não era mesmo, outros diriam que esta opinião era reflexo de sua baixa auto-estima. Não interessava. Ela não bancaria. Em uma fração de segundos percebeu toda afinidade visual que os dois imprimiriam juntos. Lambeu os próprios lábios afim de hidratá-los, foi diminuindo a velocidade do balanço, até que seus micro-firmes pés se fincassem na terra seca do chão do parquinho, dando um fim na brincadeira de voar. Ela ficou lá, sentada, enroscando a corrente do balanço acima de sua cabeça, girando o corpo de um lado para o outro. Fingiu distração, mas queria mesmo era chamar atenção do guri, que sedutor ao extremo, não exitou em arreganhar um sorriso matador, que era "a especialidade da casa". Pronto! Fora fisgada. Não assumiria nem para ela própria, mas era óbvio (para quem enxergasse além do óbvio, claro). E ali, de cima daquele trepa-trepa, à distância, ele fez zilhões de investidas, objetivas, com mímicas, gestos, olhares, sorrisos e se me lembro bem, até cantou uma canção... Se expressou verbalmente, porém sem som. Ela leu os lábios dele com perfeição (e que lábios!). Confusa com a novidade e tantas investidas, retribuiu sorrindo, tímida, charmosa e viva. Ele fez três estripulias no trepa-trepa, desceu do brinquedo fitando-a, alternando com olhar fugidio. Ela ficou de pé e erguida bateu na própria saia na parte de trás, fazendo subir uma poeira clara que se movimentava em câmera lenta. E como num passe de mágica entre a distração e a tensão, ela recuperou o foco e ao enxergá-lo novamente, o viu beijando outra garota. Ela ficou parada cinco segundos, boquiaberta internamente,que valeriam por cinco minutos. Disfarçou decepção (era boa nisso), forçou alegria, estava fraca, burra, pequena, perdida, confusa, confundida. Sua saia sequer tinha bolsos para salvá-la e esconder suas sobrantes mãos. Respirou fundo, não se ofegou, fez-se de cabeça erquida e o encarou com precisão, com intenção de entendê-lo. O olhar dele não se alterou um vírgula, ela o enxergou igual, numa mistura de ternura e sadismo, quase como cruel, seco, frio, burro, confuso, confundindo. E se sentiu uma menina. A menina do balanço. A pobre menina que ousou acreditar por um segundo que podia tê-lo e se deixou invadir em seu momento de vôo livre, despretencioso e dela. O momento era dela. Ele interferiu o momento dela, um momento sem tempo, onde não existia relógio, quereres, terra, frio, ferrugem, almíscar, suspiro... Apenas uma possível futura rotação de 360º com o balanço. Um desafio pseudo metafórico, infantil, kamikaze. Antes tivesse caído de cara na terra, sem ter o infortúnio de escutar e hipnotizar-se pelo canto daquela sereia andrógena, estúpida, maléfica e torta. Ela era dela, estava dela, de ninguém. Era feia, mas tudo bem, ele também era (como já diz a canção). O último pensamento que lhe ocorreu naquele momento foi: "droga, cadê meu tapetinho mágico?". E mundanamente ela se retirou, passo à passo, deixando a imagem borrar atrás dela. Fosca.
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